segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Prometo que...

Evitando a armadilha da tentação

por Peter Singer

Algumas vezes sabemos qual a melhor coisa a se fazer, mas falhamos em fazê-la. As resoluções de Ano Novo frequentemente são assim. Fazemos as resoluções porque sabemos que seria melhor para nós perder peso, ficar em forma ou passar mais tempo com nossos filhos. O problema é que, geralmente, é mais fácil romper do que manter uma resolução.

John Stuart Mill, em sua clássica defesa da liberdade, argumentou que cada indivíduo é o melhor juiz e guardião de seus próprios interesses. Porém, pesquisas recentes sugerem que é possível fazermos uso de alguma ajuda.

Dean Karlan, professor de Economia na Universidade de Yale, examinou maneiras de ajudar algumas das pessoas mais pobres das Filipinas a alcançar seus objetivos, e descobriu que, assim como as pessoas de todos os lugares, elas tinham dificuldades para resistir à tentação de gastar o pouco que tivessem, mesmo que reconhecessem que seria melhor economizar para um objetivo que poderia fazer uma diferença mais substancial em suas vidas.

Quando tinham acesso a bancos, elas economizavam um pouco, mas então sacavam antes que alcançassem seu objetivo. Porém, se lhes era oferecida uma conta-poupança que as penalizasse por sacar dinheiro antes de alcançar um objetivo que elas próprias tivessem especificado, muitos escolheram este tipo de conta, ainda que os rendimentos que obtivessem fossem menores do que os de uma conta que permitisse fazer saques a qualquer hora que escolhessem. Usar a conta que penalizava saques prematuros ajudava essas pessoas a alcançar suas metas.

Karlan, então, mudou o foco para outras áreas em que carecemos de autocontrole e descobriu que, quando querem parar de fumar, as pessoas têm mais chances de conseguir se derem um jeito de perder dinheiro caso não consigam. Num teste customizado, 30% daqueles que arriscaram receber uma penalização pelo insucesso alcançaram seu objetivo, em comparação com apenas 5% no grupo com o controle.

Karlan discutiu seu trabalho com colegas de Yale. Como, eles se perguntaram, podemos dar incentivos mais sólidos às pessoas para que elas mantenham suas resoluções e alcancem seus objetivos pessoais? Você pode encontrar a resposta deles em um site que ajudaram a lançar, www.stickK.com, onde é possível fazer um contrato de compromisso que obrigue você a alcançar um objetivo de sua própria escolha. Então, como incentivo ao cumprimento de seu compromisso, você pode decidir por uma penalidade que deve pagar em caso de insucesso.

Por exemplo, uma forma de dar a você mesmo um incentivo maior para alcançar sua meta é se comprometer a pagar uma quantia a alguém caso você não consiga. Melhor ainda, você pode especificar que terá que pagar uma certa soma a uma causa que detesta. Se você apoia a proteção das florestas tropicais do mundo, você pode decidir que o pagamento de sua penalização irá ser destinado a uma organização que favoreça o desenvolvimento comercial da Amazônia.

Além disso, o website torna público o compromisso e permite a você ter uma torcida que lhe dará força para atingir sua meta, e que se desapontará se você não conseguir. Até agora, 45 mil pessoas utilizaram o stickK para fazer contratos de compromisso, com uma taxa de sucesso, entre aqueles que se deram incentivos financeiros, acima de 70%.

A pesquisa de Karlan e os resultados obtidos no stickK sugerem que a maioria das pessoas, quando estão pensando com calma, possui senso daquilo que é de seu interesse, mas, diante de tentações mais imediatas, é frequentemente incapaz de manter seus planos. Por exemplo, a ampla disponibilidade de máquinas de jogos eletrônicos e apostas online torna difícil para “apostadores problemáticos” parar de apostar, ainda que estes saibam que estão perdendo mais dinheiro do que poderiam. Como resultado, muitos se arruínam financeiramente, causando grande sofrimento às suas famílias, e alguns se curvam ao crime para pagar suas dívidas de apostas. Um contrato de compromisso poderia ajudar apostadores problemáticos a parar?

Durante os últimos dois anos, quase todas as apostas na Noruega requereram o uso de um cartão eletrônico. Dinheiro vivo é proibido. O cartão permite ao governo impor limites diários e mensais nas quantias que os jogadores podem perder em máquinas de jogos eletrônicos. Esta abordagem parece paternalista, e talvez o seja, mas também poderia ser defendida por prevenir as pessoas de tornar seus filhos carentes e de tornar-se – em um país como a Noruega, que sustenta seus pobres – um fardo para o Estado.

Mas o cartão também dá aos apostadores a chance de estabelecer limites para si mesmos. Eles podem estabelecer quanto irão gastar ou quanto tempo ficarão em uma mesma máquina de uma vez. Isso não é paternalismo, é apenas um estímulo para fazer uma pausa e refletir.

A ideia de oferecer aos apostadores uma oportunidade de estabelecer seus próprios limites antes de iniciar uma sessão de apostas está começando a se espalhar pelo mundo. Além da Noruega, ela existe, de várias formas, na Suécia, na Nova Zelândia e na província canadense da Nova Escócia.

A Comissão de Produtividade da Austrália estudou recentemente o valor de tais sistemas de pré-compromisso e estimou um custo social anual para as apostas problemáticas na Austrália de 4,7 bilhões de dólares, recomendando que os sistemas de pré-compromisso voluntário sejam disponibilizados para as máquinas de jogos eletrônicos. O governo, sob pressão de um membro independente do parlamento com cujo apoio conta, agora prometeu implementar as principais recomendações da comissão.

A tomada de decisões humana é complexa. Por nossa conta, nossa tendência de nos rendermos a tentações de curto prazo, e até a vícios, pode ser forte demais para nosso planejamento racional, de longo prazo. Mas quando as tentações não estão imediatamente presentes, podemos erigir barreiras que tornem menos provável que sucumbamos quando elas retornem. Saber que podemos controlar nosso próprio comportamento torna mais provável que o faremos.

Peter Singer é professor de bioética na Universidade de Princeton e professor laureado na Universidade de Melbourne.

Tradução do artigo  Avoiding the temptation trap, publicado no site do jornal canadense The Globe and Mail em 05 de janeiro de 2011.

Nenhum comentário:

Postar um comentário