terça-feira, 18 de janeiro de 2011

De Yoko, sobre John...


O fazedor de chá

por Yoko Ono

John e eu estamos em nossa cozinha do Dakota no meio da noite. Três gatos – Sasha, Micha e Charo – estão olhando para John, que está fazendo chá para nós dois.

Sasha é todo branco, Micha é todo preto. Ambos são gatos persas lindos e cheios de classe. Charo, por outro lado, é uma vira-lata. John costumava ter um amor especial por ela. “Você tem uma cara engraçada, Charo!”, ele diria, dando-lhe uns tapinhas.

“Yoko, Yoko, você tem primeiro que colocar os saquinhos de chá, e só então a água quente”. Por ser inglês, John assumiu o papel do fazedor de chá. Então, desisti de fazer.

Era bom estar acordada no meio da noite, quando não havia barulho na casa, e bebericar o chá que John faria. Uma noite, entretanto, ele disse: “Estava falando com a Tia Mimi hoje à tarde e ela diz que se deve colocar primeiro a água quente, e só então o saquinho de chá. Eu seria capaz de jurar que ela me ensinou a colocar primeiro o saquinho, mas...”

“Então estávamos fazendo errado todo esse tempo?”

“É...”

Nós dois tivemos um frouxo de riso. Isso foi em 1980. Nenhum de nós sabia que aquele seria o último ano de nossa vida juntos.

Este teria sido o 70º aniversário de John se tão somente ele estivesse aqui. Mas as pessoas não estão questionando se ele está aqui ou não. Elas apenas o amam e estão mantendo-o vivo com seu amor. Recebi bilhetes de pessoas de todos os cantos do mundo avisando-me que elas estão celebrando este ano em agradecimento a John por tê-las dado tanto em seus curtos 40 anos na Terra.

O presente mais importante que recebemos dele não foram palavras, mas atos. Ele acreditava na verdade e tinha ousado levantar a voz. Todos sabíamos que, com isso, ele incomodaria certa gente poderosa. Mas esse era John. Ele não poderia ter sido de outro jeito. Se ele estivesse aqui agora, acho que ainda estaria gritando a verdade. Sem ela, não haveria forma de se alcançar a paz no mundo.

Neste dia, o dia em que ele foi assassinado, o que me lembro é da noite em que rimos à beça tomando chá.

Dizem que os adolescentes riem de qualquer coisa. Hoje em dia, vejo muitos deles tristes e com raiva uns dos outros. John e eu estávamos longe de ser adolescentes. Mas minha memória de nós é que éramos um casal que ria.

Yoko Ono é artista.

Tradução do artigo The Tea Maker, publicado no site do jornal americano The New York Times em 07 de dezembro de 2010.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Quer uma moeda?

Estar ou não estar na zona do euro?

A recente entrada da Estônia no euro é um lembrete oportuno à Irlanda dos bônus e armadilhas de uma moeda única

por Brendan Keenan

Pequena e corajosa Estônia. Tendo escapado da União Soviética e encarado a ira do urso russo em várias ocasiões desde então, este minúsculo país de 1,3 milhão de pessoas agora juntou-se ao euro. Essa gente é brava, mas está boa da cabeça?

Na verdade, a entrada da Estônia é um lembrete oportuno do que o euro deve ser, e não é. É oportuno porque, na Irlanda, esses argumentos foram esquecidos no minuto em que aquelas estranhas cédulas novas apareceram nos caixas eletrônicos.

Estamos pagando um preço terrível por aquela amnésia e estamos tendo problemas para comprometer-nos com o tipo de análise racional que precedia a entrada – apesar de que quase todos estavam a favor da adesão.

Há aqueles que dizem que deveríamos deixar a moeda única, mas você fará uma difícil busca pelos detalhes de como tal evento poderia ser organizado e o que aconteceria depois.

Aqueles a cargo do assunto dizem que nunca devemos contemplar nada do tipo, mas você fará uma procura ainda mais difícil para encontrar qualquer análise detalhada de nossos líderes sobre as conseqüências de continuar a ser membro e do que acontecerá conosco se continuarmos a sê-lo.

A Estônia também oferece algumas duras lições para aqueles que anseiam pela vida sem as restrições do euro. Ela também foi espalhafatosa nos empréstimos e sofreu uma quebra horrível. A queda de 14 por cento na produção foi quase na escala irlandesa – e ela é o país mais pobre na União Europeia. Mesmo que ainda não fosse membro, a simples existência do euro exerceu uma influência nociva.

Não é necessário estar no euro para obter empréstimos em euro. Então a pobre pequena Estônia, como a Irlanda, teve acesso a todo o crédito que queria através do pool alemão de poupanças em euro, fornecidas por bancos estrangeiros – principalmente suecos. E a Suécia também não está na zona do euro.

Eles próprios tendo quase ido a bancarrota nos anos 90, sendo resgatados com sucesso, os bancos suecos se meteram novamente em todo tipo de problema, desta vez nos estados bálticos. Para cunhar uma frase, você pode manter um país fora do euro, mas não pode manter o euro fora do país.

Assim como outros europeus do leste, os estonianos foram capazes de conseguir hipotecas baratas através de empréstimos em euro. Mas eles correram o risco de suas moedas nacionais caírem e o custo dos empréstimos aumentar. Isso foi precisamente o que ocorreu em alguns casos, especialmente na Hungria – como muito bem sabem muitos irlandeses que investem em propriedades.

Essa gente é brava, mas está boa da cabeça?

A dívida estoniana ainda será dívida estrangeira, mas agora é em sua própria moeda. Tendo visto as calamidades do ano passado, eles não estarão celebrando a entrada como os membros mais antigos. Mas a perspectiva de manter seus empréstimos na moeda em que eles foram feitos é um poderoso incentivo a aderir.

Qualquer país que deixasse o euro sob pressão se veria até o pescoço de dívidas em moeda estrangeira. Aqueles que tiverem boa memória saberão que dívida externa excessiva é uma restrição ainda mais severa do que déficits governamentais.

Quanto a estes, após um programa de austeridade pela quebra, as finanças públicas da Estônia estão totalmente dentro das regras para adesão ao euro, algo que ilustra uma das falhas fundamentais destas: elas não levam em conta a dívida privada.

Seria bem melhor se eles o tivessem feito quando o euro foi formado. Melhor ainda se os governos tivessem monitorado o débito privado mais de perto. Tendo tido a bolha do euro antes de ter o euro, o mais novo membro começará obrigado a reduzir seu débito total.

Entretanto, a força das finanças públicas estonianas vai ajudar. Diferentemente da década passada, credores estão avaliando a solvência dos governos país por país. A Irlanda ainda está
segura pela pinça dos altos empréstimos do governo e da grande dívida privada. Doloroso como deve ser tal aperto, ele reflete melhor a realidade do que dar índices alemães a todos, como aconteceu nos primeiros 10 anos da moeda única.

Mas o caso da Estônia também faz lembrar as questões fundamentais à frente da Irlanda em 1999. Primeiro,  a de ordem política. Os estados bálticos teoricamente possuem a defesa na máquina militar da OTAN contra o vizinho gigante que no passado os absorveu. Mas muitos ali pensam que o “poder suave” da União Europeia e da adesão ao euro devem ser, verdadeiramente, uma proteção melhor. Parece que Moscou, com alguma frequência, sente o mesmo.

As escolhas estratégicas da Irlanda são menos rígidas, mas são reais. Enquanto existir uma moeda europeia, qual seria a posição de uma Irlanda que não pertencesse a ela?

Seria ela uma esperta Hong Kong ou Singapura do Atlântico, que poderia usar agilmente sua independência financeira para sua vantagem; ou uma impotente e mal sucedida estranha – provavelmente membro não-oficial da zona da libra esterlina, por decisão dos mercados? As opiniões devem variar, mas a escolha é tão fundamental quanto sempre foi.

Tradução do artigo To be or not to be in the eurozone?, publicado no jornal irlandês Irish Independent em 09 de janeiro de 2011.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Prometo que...

Evitando a armadilha da tentação

por Peter Singer

Algumas vezes sabemos qual a melhor coisa a se fazer, mas falhamos em fazê-la. As resoluções de Ano Novo frequentemente são assim. Fazemos as resoluções porque sabemos que seria melhor para nós perder peso, ficar em forma ou passar mais tempo com nossos filhos. O problema é que, geralmente, é mais fácil romper do que manter uma resolução.

John Stuart Mill, em sua clássica defesa da liberdade, argumentou que cada indivíduo é o melhor juiz e guardião de seus próprios interesses. Porém, pesquisas recentes sugerem que é possível fazermos uso de alguma ajuda.

Dean Karlan, professor de Economia na Universidade de Yale, examinou maneiras de ajudar algumas das pessoas mais pobres das Filipinas a alcançar seus objetivos, e descobriu que, assim como as pessoas de todos os lugares, elas tinham dificuldades para resistir à tentação de gastar o pouco que tivessem, mesmo que reconhecessem que seria melhor economizar para um objetivo que poderia fazer uma diferença mais substancial em suas vidas.

Quando tinham acesso a bancos, elas economizavam um pouco, mas então sacavam antes que alcançassem seu objetivo. Porém, se lhes era oferecida uma conta-poupança que as penalizasse por sacar dinheiro antes de alcançar um objetivo que elas próprias tivessem especificado, muitos escolheram este tipo de conta, ainda que os rendimentos que obtivessem fossem menores do que os de uma conta que permitisse fazer saques a qualquer hora que escolhessem. Usar a conta que penalizava saques prematuros ajudava essas pessoas a alcançar suas metas.

Karlan, então, mudou o foco para outras áreas em que carecemos de autocontrole e descobriu que, quando querem parar de fumar, as pessoas têm mais chances de conseguir se derem um jeito de perder dinheiro caso não consigam. Num teste customizado, 30% daqueles que arriscaram receber uma penalização pelo insucesso alcançaram seu objetivo, em comparação com apenas 5% no grupo com o controle.

Karlan discutiu seu trabalho com colegas de Yale. Como, eles se perguntaram, podemos dar incentivos mais sólidos às pessoas para que elas mantenham suas resoluções e alcancem seus objetivos pessoais? Você pode encontrar a resposta deles em um site que ajudaram a lançar, www.stickK.com, onde é possível fazer um contrato de compromisso que obrigue você a alcançar um objetivo de sua própria escolha. Então, como incentivo ao cumprimento de seu compromisso, você pode decidir por uma penalidade que deve pagar em caso de insucesso.

Por exemplo, uma forma de dar a você mesmo um incentivo maior para alcançar sua meta é se comprometer a pagar uma quantia a alguém caso você não consiga. Melhor ainda, você pode especificar que terá que pagar uma certa soma a uma causa que detesta. Se você apoia a proteção das florestas tropicais do mundo, você pode decidir que o pagamento de sua penalização irá ser destinado a uma organização que favoreça o desenvolvimento comercial da Amazônia.

Além disso, o website torna público o compromisso e permite a você ter uma torcida que lhe dará força para atingir sua meta, e que se desapontará se você não conseguir. Até agora, 45 mil pessoas utilizaram o stickK para fazer contratos de compromisso, com uma taxa de sucesso, entre aqueles que se deram incentivos financeiros, acima de 70%.

A pesquisa de Karlan e os resultados obtidos no stickK sugerem que a maioria das pessoas, quando estão pensando com calma, possui senso daquilo que é de seu interesse, mas, diante de tentações mais imediatas, é frequentemente incapaz de manter seus planos. Por exemplo, a ampla disponibilidade de máquinas de jogos eletrônicos e apostas online torna difícil para “apostadores problemáticos” parar de apostar, ainda que estes saibam que estão perdendo mais dinheiro do que poderiam. Como resultado, muitos se arruínam financeiramente, causando grande sofrimento às suas famílias, e alguns se curvam ao crime para pagar suas dívidas de apostas. Um contrato de compromisso poderia ajudar apostadores problemáticos a parar?

Durante os últimos dois anos, quase todas as apostas na Noruega requereram o uso de um cartão eletrônico. Dinheiro vivo é proibido. O cartão permite ao governo impor limites diários e mensais nas quantias que os jogadores podem perder em máquinas de jogos eletrônicos. Esta abordagem parece paternalista, e talvez o seja, mas também poderia ser defendida por prevenir as pessoas de tornar seus filhos carentes e de tornar-se – em um país como a Noruega, que sustenta seus pobres – um fardo para o Estado.

Mas o cartão também dá aos apostadores a chance de estabelecer limites para si mesmos. Eles podem estabelecer quanto irão gastar ou quanto tempo ficarão em uma mesma máquina de uma vez. Isso não é paternalismo, é apenas um estímulo para fazer uma pausa e refletir.

A ideia de oferecer aos apostadores uma oportunidade de estabelecer seus próprios limites antes de iniciar uma sessão de apostas está começando a se espalhar pelo mundo. Além da Noruega, ela existe, de várias formas, na Suécia, na Nova Zelândia e na província canadense da Nova Escócia.

A Comissão de Produtividade da Austrália estudou recentemente o valor de tais sistemas de pré-compromisso e estimou um custo social anual para as apostas problemáticas na Austrália de 4,7 bilhões de dólares, recomendando que os sistemas de pré-compromisso voluntário sejam disponibilizados para as máquinas de jogos eletrônicos. O governo, sob pressão de um membro independente do parlamento com cujo apoio conta, agora prometeu implementar as principais recomendações da comissão.

A tomada de decisões humana é complexa. Por nossa conta, nossa tendência de nos rendermos a tentações de curto prazo, e até a vícios, pode ser forte demais para nosso planejamento racional, de longo prazo. Mas quando as tentações não estão imediatamente presentes, podemos erigir barreiras que tornem menos provável que sucumbamos quando elas retornem. Saber que podemos controlar nosso próprio comportamento torna mais provável que o faremos.

Peter Singer é professor de bioética na Universidade de Princeton e professor laureado na Universidade de Melbourne.

Tradução do artigo  Avoiding the temptation trap, publicado no site do jornal canadense The Globe and Mail em 05 de janeiro de 2011.