sexta-feira, 18 de março de 2011

O rock e as letras

O rock estrela a ficção

O rock and roll é definido por seus excessos. Ficcionalizá-lo pode parecer, na melhor das hipóteses, uma má imitação

por John Lucas

Foi com grande prazer, enquanto adolescente, que me deparei com uma cópia de Espedair Street, de Iain Banks. Tendo sido criado nos romances do século XIX, foi uma experiência libertadora descobrir um texto cujo foco parecia para mim o máximo em termos do que significa a contemporaneidade: o estrelato no rock. Como protagonista de Espedair Street, Dan Weir (“Weird”), o baixista feio e sem esperança da bem sucedida banda de rock escocês Frozen Gold. Banks mapeia sua ascensão à fama através dos anos 1970, em meio às típicas drogas e excessos, até a separação da banda, o que torna Weir um recluso morador de Glasgow a se perguntar o que fazer com o restante de sua vida.

Naquele tempo, tendo tido muito pouca exposição à ficção contemporânea, ver que um livro podia tratar de tais assuntos era emocionante, uma revelação. Hoje em dia, obviamente, estamos acostumados com o exame detalhado da cultura pop na ficção literária, com romancistas como Pynchon, Vonnegut e David Foster Wallace escrevendo com detalhes sobre TV e coisas afins. Nas palavras de Wallace: “Uma das coisas de reconhecimento mais fácil a respeito da ficção pós-moderna do [último] século foi o desdobramento estratégico, por parte do movimento, de referências da cultura pop – nomes de marcas, celebridades, programas de televisão – até mesmo em seus projetos mais elevados de alta arte”. Mesmo assim, estrelas do rock literárias – e aqui me refiro a protagonistas ficcionais maiores – parecem surgir relativamente pouco, dado quão saturada está nossa cultura pela música popular.

Há várias razões prováveis para tal. Para começar, há o problema da autenticidade. O rock and roll se define por sua teatralidade e excesso inerentes. Ficcionalizá-lo pode parecer, na melhor das hipóteses, uma má imitação da coisa de fato e, na pior, parecer algo deseperançosamente forçado, ou até ruim. De qualquer forma, há autobiografias de rock suficientemente boas – Vida, de Keith Richards, e Tainted Life, de Marc Almond, para citar duas. Além disso, não é tarefa fácil descrever música sem soar jornalístico ou sem recorrer a clichês ameaçadores, do tipo “e a batida vibrou por nossos corpos”. Por fim, letras de música numa página – até mesmo as verdadeiras – parecem, francamente, uma porcaria. Talvez seja por isso que estrelas do rock frequentemente tenham apenas pequenas pontas na ficção – tal como no caso da The Heaven Seventeen em Laranja Mecânica e nas várias bandas de Pynchon – ou, quando são as personagens principais, a ação transcorre, na maior parte, longe do estádio e do estúdio.

Um desses tais ‘performers’ fora do trabalho é Bryan Metro, de Bret Easton Ellis, um deus do rock decadente, depravado e excessivamente drogado que aparece em “Discovering Japan”, um dos contos de maior sucesso de The Informers, obra de 1994. Como é típico na obra de Ellis, a ênfase está no comportamento niilista em hotéis caros: “nu, acordando banhado de suor numa cama grande de uma suíte do terraço do Hilton de Tóquio, lençóis amarrotados no chão, uma jovem garota nua dormindo ao meu lado...”. Destroçando quartos, sendo sondado por executivos de cinema para um ridículo filme ‘estrela do rock no espaço’, ingerindo Librium e fazendo ligações interurbanas para casa para falar com as crianças chapado de cocaína, a história apresenta algo que soa como um retrato verdadeiro da solidão e desorientação das turnês.

Com Liberdade, do ano passado, Jonathan Franzen também entrou neste território com sua descrição de Richard Katz, carismático vocalista da banda punk The Traumatics. Cansado dos holofotes (ou, mais precisamente, do apelo cult limitado que alcançou), Katz aposenta-se da indústria para trabalhar como braçal, só para voltar com a Walnut Surprise, um conjunto de country alternativo que atrai a indesejada atenção do ‘mainstream’ com o álbum Nameless Lake. Um dos elementos mais memoráveis da narrativa de Katz é a entrevista que ele dá a Zachary, um jovem fã ansioso para impressionar uma garota. Suas respostas deliberadamente provocativas, que são rapidamente disseminadas online – “P: Então, qual é o próximo passo para Richard Katz?, R: Estou me envolvendo com política dos Republicanos” –, talvez tenham uma dívida com o maior roqueiro literário de todos os tempos: Bucky Wunderlick, o herói a la Dylan de Don Delillo, que, num determinado ponto de Great Jones Street, diz a um entrevistador que irá corroborar com qualquer citação que ele decidir inventar.

O romance de Delillo de 1973 mapeia a fuga de Bucky do mundo da música rumo a um apartamento sem água quente em Manhattan. Ele é perseguido por seu empresário e seus antigos colegas de banda, que querem que ele retorne para o grupo e lance The Mountain Tapes, uma coleção de canções ‘perdidas’. Bucky também se torna envolvido com as maquinações de uma célula terrorista chamada “Comuna da Fazenda do Vale Feliz”, que manufaturou uma droga que corrompe os núcleos da linguagem no cérebro. Paranoico e elíptico, aqui está a estrela do rock como um avatar em um mundo confuso e fragmentário. Para Delillo, a fama é “um jogo no lado oposto. É uma situação extrema. Acho que o rock é uma música de solidão e isolamento... Um homem com uma mente parcialmente destruída, sozinho num quarto alugado. Barulho, eletricidade, excesso, Vietnã – tudo isso está amarrado em Great Jones Street”.

Nomes de banda de rock fictícias podem ser, com freqüência, improváveis – Frozen Gold? Walnut Surprise? –, mas o estrelato musical provou ser um meio útil através do qual vários escritores examinaram tanto a natureza da celebridade quanto a cultura mais ampla. Ultimamente, a observação de Bucky Wunderlick de que “talvez a única lei natural que se vincule à fama natural seja a de que o homem famoso é forçado, eventualmente, a cometer suicídio” soa cada vez mais profética.

Tradução do artigo Rock stars in fiction, publicado no site do jornal britânico The Guardian em 17 de março de 2011.
http://www.guardian.co.uk/books/booksblog/2011/mar/17/rock-stars-in-fiction

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